De fato, quem realmente faz a cerveja, ou seja, transforma o mosto em cerveja, é a levedura. Levedura, também conhecida como fermento, é um fungo unicelular que, entre outras transformações, utiliza-se de açúcares para se alimentar e libera álcoois. Desta maneira que se forma o álcool presente nas bebidas fermentadas, incluindo a cerveja. Durante este processo, as leveduras também consomem e liberam outros compostos que podem gerar aromas e gostos na cerveja, sejam eles desejáveis ou não. Por exemplo, durante a fermentação existem tipos de leveduras que liberam ésteres que, em geral, tem aromas de frutas e são desejáveis, e até necessários, em uma grande gama de estilos. Em contrapartida também pode liberar um composto chamado diacetil, que gera aroma e gosto de manteiga, e não é desejável.
Na segunda metade do século XIX, enquanto estudava a deterioração de cervejas e vinhos, a pedido de produtores, Louis Pasteur descobriu que microorganismos causavam o problema, mas que também fermentavam o mosto para transformá-lo em cerveja ou vinho. Antes disso, todo o processo dependia apenas da experiência e dos equipamentos das cervejarias e dos cervejeiros. Muito antigamente, tanto vinho quanto cerveja, dependendo da cultura, eram tratados como bebidas divinas pois os povos acreditavam que eram os deuses que transformavam o mosto no produto desejado.
Outro nome importante na história das leveduras de cerveja é Emil Christian Hansen que, trabalhando para a cervejaria Carlsberg, separou as células de leveduras de baixa fermentação das de alta fermentação e multiplicou-as sob cultura pura, diferenciando, assim, as famílias Ale e Lager. Não coincidentemente, a levedura de baixa fermentação tem nome científico Saccharomyces Carlbergensis.
Além destes dois personagens, ainda temos a participação do alemão Carl Von Linde, que inventou a máquina frigorífica a base de amônia, tornando possível produzir cerveja em qualquer época do ano e ter um melhor controle da temperatura de fermentação.
As famílias então se dividem em Ale, alta fermentação, e Lager, baixa fermentação, porém há mais um tipo de levedura, por vezes considerada como ale, por vezes considerada dentro de uma família adicional nomeada de “fermentação espontânea”, chamada Brettanomyces. Dentro de cada família, há diversas espécies que geram resultados diferentes na cerveja. E não apenas de uma espécie para outra, mas até a mesma espécie quando utilizada em temperaturas diferentes.
A nomenclatura de alta e baixa fermentação vem da movimentação da colônia de leveduras durante o processo de fermentação. As leveduras Ale, ou alta fermentação, começam a se reproduzir, aglomerar e emergir até o topo do líquido, depois decantam e se concentram no fundo. Já no caso das leveduras Lager, ou baixa fermentação, começam a se reproduzir, aglomerar mas não emergem e decantam diretamente, dando a impressão que fermentam apenas no fundo. As Brettanomyces tem comportamento igual às Ale.
Os nomes científicos de cada tipo são Saccharomyces Cerevisiae para as Ale, Saccharomyces Carlbengensis para as Lager e Brettanomyces Lambicus e Brettanomyces Bruxellensis para as chamadas de “fermentação espontânea”.
Além das leveduras, também é comum utilizar certas bactérias durante a fermentação para gerar ainda mais diferenças sensoriais. Neste caso, as bactérias utilizadas são Lactobacillus, Pediococcus e Acetobacter. Ambos geram ácido lático após o consumo de açúcares, reduzindo o pH da cerveja e a tornando mais ácida. O Lactobacillus traz também um sabor azedo mais limpo e marcante, por exemplo, das Göses e Berliner Weisses. Já o Pediococcus traz mais complexidade de aromas e sabores azedos, podendo gerar também diacetil em excesso. Porém as Brettanomyces controlam o que é indesejado do Pediococcus, tornando sua utilização quase que pré-requisito para inclusão desta bactéria. Em geral, estão presentes em Lambics e Gueuzes, mas não isoladamente. O Acetobacter transforma o álcool presente na cerveja em ácido acético, ou seja, vinagre. Red Ale de Flandres é um bom exemplo onde se nota facilmente essa característica do Acetobacter. Uma boa sour geralmente tem todos eles juntos trabalhando junto com o Brettanomyces.
Nos próximos artigos, irei falar especificamente de cada família e suas especificidades. Uma viagem pelo mundo microscópico das verdadeiras cervejeiras. Até lá!
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Magoo Pellegrino
Magoo Pellegrino é cervejeiro caseiro, formado no Curso de produção do Pier 1327 ministrado por Jaime Filho, também formado como Beer Sommelier pela ABS-SP/ Intituto da Cerveja e criador do blog O Beer Sommelier. Em 2011, durante uma viagem pela Alemanha, descobriu que o mundo da cerveja ia muito além das “pilsen” brasileiras. Depois de várias cervejas e uma visita ao restaurante da Aecht Schlenkerla, apaixonou-se de vez pelo líquido sagrado. No começo de 2012, descobriu que era possível fazer cerveja em casa e, desde então, não parou. Atualmente cursando o curso de beer sommelier e sempre estudando para aprender mais sobre produção de cerveja. Também é vocalista de uma banda de rock e engenheiro automobilístico nas horas vagas.
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