Resenha

Amstel Acerta ao trazer uma experiência imersiva com “Autorretrato”

Uma das nossas buscas principais nos dias que se passam é pela experiência. Ainda mais neste momento em que estamos vivendo, conseguindo deixar para trás, aos poucos, as heranças da pandemia e do isolamento social. Viver experiências se torna uma das buscas incessantes para que possamos nos encontrar com o outro e muitas vezes com nós mesmos.

A arte e os seus derivados em expressão são uma das nossas companhias para fazermos um mergulho profundo e reconhecimento de si neste “mundo novo”. Dentro deste contexto a Amstel acerta em cheio ao propor junto de um time majestoso “Autorretrato”.

A obra imersiva, como nomeada pelo diretor Felipe Hirsch, é uma experiência sensorial que mescla diversos recursos contemporâneos para propor uma reflexão sobre nós. É um convite para convivermos com a arte por algumas horas, e nos perdermos entre salas que representam tão somente o eu. 

Há na obra um aspecto de emancipação do espectador que é a chave mestra do acontecimento cênico. Se por um lado o teatro tradicionalmente se apresenta como uma arte de contemplação, nos colocando no estado de quem vê a história do outro pela fresta de uma janela, a fim de se reconhecer, Autorretrato rompe com todas as barreiras para gerar encontros entre os próprios espectadores, que necessariamente precisam escolher caminhos e conviver durante o tempo da encenação, para contemplar fragmentos não-lineares criados para representar o mito de Narciso.

O caminho a ser percorrido é composto por diversas instalações de beleza extrema, e como em uma exposição de arte é possível antes mesmo de entrar nas salas, ler um pouco sobre aquela composição em uma mediação, exatamente como em um museu.

O espelho d’água de Narciso é o mapa do caminho, e ver-se refletido nele é uma experiência indescritível. A personagem está por todos os lugares, exposta na personificação composta por um atuante e extrapolando para a composição que a obra faz com o espaço do edifício histórico Central 1926. A tecnologia em fusão com a arquitetura propõe viagens no tempo, nos permitindo ler a obra em contextos históricos diversos.

Inversões, distorções e composições de imagem fazem com que o celular seja um antagonista da trajetória em todos os momentos, como um convite para que a obra seja registrada, publicada e contemplada ao máximo. Ao caminhar pelas salas e andares e encontrar as cenografias e composições, não existe a chance de não registrar, ação que se refletida profundamente nos transforma também em um dos Narcisos desta história. 

Autorretrato abre portas e nos permite entrar em salas de forma subjetiva e objetiva. Ao escolher o caminho a ser feito para visitar as 31 instalações que compõem a obra é possível criar o seu próprio entendimento sobre os tantos temas expostos pelos artistas da cena.

Música, fotografia, iluminação, tecnologia, dança e tantas outras possibilidades se apresentam para que uma autorreflexão seja feita nesta ronda noturna que acontece no centro da complexa cidade de São Paulo.

Com os passos rodeados por olhares, celulares, artistas e pessoas que você possivelmente nunca mais encontrará, a Amstel de mãos dadas com uma equipe competente de artistas propõe um mergulho profundo no “eu” e de forma catártica nos oferece um lugar onde o “nós” é primordial para que a experiência aconteça. Um verdadeiro encontro entre pessoas com as mais diversas formas de expressão artísticas, que encerra com aquele sabor que só a Amstel pode nos oferecer! 

Aos amantes de cerveja de boas experiências artísticas, Autorretrato é um programa de mãos cheias! As reflexões causadas pela obra certamente rendem aquelas boas conversas de bar, que passam pelos temas mais amenos e caminham para as reflexões mais profundas sobre a vida.

E como esta é uma imersão completa, não poderia faltar este momento, que a Amstel nos oferece com maestria quando nos apresenta como último cenário um bar onde é possível avistar o centro histórico da cidade de São Paulo, conversar sobre as tantas experiências que a obra nos propõe e tomar aquela cervejinha boa. 

Raffael Santos (@raffaelss)

é ator, professor, palhaço e aspirante a dramaturgo e diretor de teatro. Amante das principais experiências que o teatro e as artes cênicas podem nos oferecer, é um agitador daquela cervejinha pós peça de teatro com a rapaziada. 

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